“Essas pessoas trabalham com a desinformação”: Sávio José critica postura da Câmara na discussão do Plano Diretor

Entrevista por: Júlia Ennes e Noemi Silva, estudantes de Comunicação Social – Jornalismo (UFV). Contato: julia.ennes@ufv.br e noemi.silva@ufv.br 

Vereador Sávio José. Fotografia por Noemi Silva

Na última sessão (16/04) da Câmara Municipal de Viçosa, esteve em pauta emendas no Plano Diretor, com destaque na urbanização da região do Paraíso. O vereador e vice-presidente da Câmara, Sávio José do Carmo Silva (PT), 36 anos, durante todo momento, mostrou seu posicionamento a favor do plano, mas fez duras críticas às emendas propostas e à postura de outros vereadores e grandes empresários. Formado em História, o vereador, que atualmente cumpre o seu segundo mandato, também externou sua preocupação com os interesses do coletivo, da sociedade. Nesta entrevista, ele não hesita em apontar falhas e brigas de interesses.

Júlia Ennes – Hoje, você falou sobre o direito que todos têm de vir até a tribuna livre fazer reivindicações mas que, no entanto, muitos ainda continuam nos “bastidores”, fazendo reclamações por meios arbitrários, tipo via WhatsApp. Como é para você tentar fazer políticas públicas de melhoria tendo que lidar com esse tipo de situação embaraçosa?
Sávio José –
Olha, o problema não é a mensagem no WhatsApp. O problema se chama lobby. O que é lobby? É quando as pessoas defendem um interesse fora da discussão devida. Interesses todo mundo tem. Só que tem uma diferença: tem gente que tem interesse individual; tem gente que tem interesse coletivo. Para mim, a política serve para atender os interesses coletivos. E no caso específico do plano diretor, – que foi construído com participação popular, por técnicos, passou por todos os critérios devidos do estatuto das cidades – têm grandes empresários da cidade que, com um interesse individual de lucrar sempre mais e fazer especulação imobiliária, não querem que o plano seja aprovado. Então, eles ficam fazendo esse lobby, com alguns vereadores, no escuro, debaixo do tapete. E aí protelam esse plano, eles [os vereadores] não votam, ficam arrumando desculpas para não votar e cumprir esse interesse individual. Eu vou denunciar isso, como fiz hoje, e vou lutar até minhas últimas forças para gente votar nesse plano, porque eu tenho certeza de que ele serve ao coletivo, e não ao individual.


JE – Então, quando você falou [na sessão] que tem convicção de que o plano é benéfico para a população, mas que as emendas são maléficas. Quais emendas seriam essas? E a quem elas interessam?
SJ –
Foi apresentado aqui hoje e foi assinado por alguns vereadores – um vereador até falou que “assinou com pressa, sem saber”; tem dois anos que essas emendas estão aqui e ele “assinou com pressa, sem saber” – emendas da Casa do Empresário. Então, são emendas que restringem o tamanho de lotes, área de impermeabilidade, consequentemente, área de ventilação e captação de água por drenagem. Assim, o que os empresários, com esse conjunto de emendas, querem fazer? Eles visam mais lucro. Não estão preocupados com o bem-estar da pessoa que vai morar ali; eles não estão preocupados com o fluxo de trânsito; com o fluxo de esgoto; com a coleta de água; eles estão preocupados em vender mais lotes. Para mim, isso não atende ao interesse coletivo, atende aos individuais. Essas emendas, eu entendo, e a comissão que fez o plano diretor também entende, como maléficas. Maléficas no sentido público, porque elas podem sim ser boas para os interesses privados. “Ah, mas então os empresários não pensam no coletivo, no todo?”. Nesse caso, não. Colocam os interesses deles na frente do interesse público.


JE – E quais benefícios traria o plano para a população, sem essas emendas?
SJ –
O plano diretor foi pensado como uma forma para planejar a cidade. Viçosa nunca foi planejada. E a gente sofre muito com isso. A gente sofre, por exemplo, com trânsito, com abastecimento de água. Ano passado não teve racionamento [de água], nos outros anos todos tiveram. Por que? A gente tem dois mananciais principais na cidade. No que era o principal até 5 anos atrás, na mata do Paraíso, que é o São Bartolomeu, teve-se um crescimento desordenado da região, e a natureza não perdoa. Então, o plano pensa o crescimento sustentável da cidade. Se você está em área de APP, em área de mata, em área de vegetação nativa, em áreas de rios e mananciais, você vai ter um tamanho de lote maior, uma restrição maior para construir. Se está numa área mais urbana, você tem uma restrição um pouco menor. Por exemplo, em qualquer rua que você passa em Viçosa, a garagem das pessoas invade a calçada. E o pedestre? E o cadeirante? Como faz? Você tem um recuo maior para que a garagem fique dentro do seu prédio, o que é a coisa mais lógica do mundo, mas que aqui não acontece. E aí as pessoas que querem construir sempre mais, só querem saber de espaço. Então, se o carro vai parar e o pedestre e o cadeirante não vão passar, é deixado em segundo plano. O plano diretor, a questão dele é essa: infelizmente, o que ja foi, já foi; mas daqui pra frente, tem como pensar Viçosa de uma forma mais sustentável.


JE – O plano já está sendo discutido desde 2011. Por que você acha que está demorando tanto tempo para o projeto ser concluído? É uma briga de interesses?
SJ –
Por causa do lobby. Do interesse de grande empresários da área imobiliária. Só por isso. O trabalho foi feito, todas as etapas foram cumpridas. Só que é um trabalho que bate de frente com os interesses de gente grande da cidade. E é por isso que isso aqui é uma casa política. Para entrar aqui não é só bater na porta, é preciso ter voto da população. A população entende que elegeu os seus representantes e as pessoas [eleitas, vereadores] têm que se mostrar aqui. Eu disse hoje: não é ficar dando “barrigada”, arrumando subterfúgio, desculpinhas para não votar o plano. Se é contrário, sobe ali [na tribuna] fala que é contrário e explica o porquê. A gente presta contas para a população, a gente é avaliado dia a dia, e na eleição mais ainda. Então o encantador da política é isso: ela é diversa, ela é múltipla. Tem gente aqui que pensa A, tem gente que pensa B. O que não podemos é nos esconder. E o que está acontecendo aqui é que tem gente querendo se esconder.


JE – Então, sobre isso, hoje no final da sua fala na tribuna, você disse que “tem uns que vão estar do lado de poucos, têm outros que vão estar do lado do coletivo”. Vocês como vereadores eleitos, trabalham representando o povo e precisam manter um diálogo com ele, principalmente, com a parcela afetada pelas propostas em votação. O vereador Geraldão, relatou que houve uma falha de comunicação e que a população do bairro Paraíso, realmente, não foi convocada para discutir o projeto. Então, é compreensível, que eles tenham ficado receosos em relação ao plano. O que você tem a dizer sobre isso?
SJ-
Eu acho compreensível, embora eu acha que não tenha tido nenhuma falha. Tem até os documentos para provar. As audiências públicas foram feitas, mas não teve audiências públicas em todos os bairros de Viçosa, por ser completamente inviável. Então a comissão que presidiu os trabalho as fez por região. Então a região do Paraíso teve sim reunião, só não foi no Paraíso. Foi na Rua Nova, que é ao lado. Tiveram representantes do bairro lá, tem a lista de presença. Está assinada. Agora, a comunidade compareceu em peso? Não. Pode ter tido um erro de propaganda, de aviso, pode também ter tido um desinteresse da população. Mas o que a comunidade fez aqui hoje, eu acho legítimo, porque eles se mostraram. Eles vieram e disseram que estão insatisfeitos, eles mostraram sua cara, quem são, onde moram, que é o contrário do que os grande empresários fazem, que só ficam mandando recado através de vereadores. Eu acho legítimo, embora eu entenda que a comissão do plano diretor não errou, tanto é que repito: tem assinatura de moradores do Paraíso na reunião da região deles. Mas ouvir a população nunca é demais. E muito do que eles estão reivindicando, eu acho que é por falta de informação. Se tivermos um momento propício para esclarecer o projeto, tenho certeza que eles ficarão muito mais tranquilos, porque, no meu ponto de vista, o que o plano diretor propõe hoje para o Paraíso é muito benéfico a população.


JE – Hoje, você também falou sobre falta de conhecimento das causas por parte dos vereadores. Como esperar, então, que a população seja bem informada, se até quem participa de dentro da Casa não demonstra ter muita noção do que está se passando?
SJ –
Quem está dentro da Casa e “não tem” informação é porque é um projeto político. É porque eles querem se passar por desentendidos. O acesso que eu tenho é o mesmo que eles têm. Então, para a população, eu acho que a gente tem que criar mecanismos sempre para ela participar mais. Investir em mecanismos digitais, aplicativos, canais diretos pela internet, audiência pública… A população trabalha o dia inteiro, têm seus problemas. Ela é compreensível que não saiba [sobre os projetos], quem está aqui dentro não é não.


JE – Então, quem está aqui dentro [da Câmara] tem essas informações, mas por uma falta de interesses ou levado por outros interesses, preferem não…
SJ – Exatamente. Por que eu sei debater o plano? Eu sou vereador igual aos outros 14. Então o acesso que eu tenho ao plano, ao advogado da Câmara, aos técnicos, a Secretaria, é o mesmo que os outros 14 vereadores têm. Aí eu tenho que ouvir [de um vereador] que a gente está votando num plano com pressa, sendo que tem 2 anos que ele [o projeto] está aqui. Com pressa. Eu tenho que ouvir que assinaram as emendas de forma rápida porque elas chegaram semana passada, sendo que tem 2 anos que estão aqui, as da Casa do Empresário. Então, essas pessoas trabalham com a desinformação.

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