Ex-Pró-Reitora valoriza o papel da Assistência na permanência dos estudantes

Repórteres: Antônia Beatriz e Kedma Júlia, estudantes de Jornalismo da UFV – Contato: antoniabeatriz.pires@gmail.com e kedmajulia130@gmail.com

Viviani Lírio contando suas experiências na Pró-Reitoria.
Foto: Antônia Pires

Viviani Lírio ficou na Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários (PCD) da Universidade Federal de Viçosa (UFV) por quase sete anos. Chegou na Assessora Especial de Assistência Estudantil em 2012 e após três anos e onze meses assumiu como Pró-Reitora. Em entrevista, ela conta os desafios dos cargos que percorreu e como o acolhimento é uma premissa na vida de um estudante. Professora doutora ligada ao Departamento de Economia Rural, ela acredita que quando um estudante ingressa na Universidade ele se torna ainda mais vulnerável à questão social, vista como imprevisível. Otimista, ela ainda analisa as perspectivas futuras da Universidade diante do novo reitor empossado e da conjuntura nacional.

Kedma Júlia: Quais foram seus principais desafios na Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários (PCD)?

Viviani Lírio: Quando cheguei lá em 2012, assumi a Assessoria de Assistência Estudantil, então via uma parte dos desafios. Sem dúvida nenhuma, o maior deles era o acolhimento e havia uma premissa que a gente já identificava do aumento da vulnerabilidade social incompatível com o volume adicional de recursos para tal. Era esperado porque teve as políticas afirmativas conflagradas, o que é ótimo porque o aluno que não frequentava a instituição frequenta hoje. Isso na minha opinião é desejável, mas ao mesmo tempo a gente vivia o desafio de como atender todas essas pessoas. Não apenas com o básico de onde ele [o estudante] vai ficar e onde ele vai comer, mas com as outras coisas que envolvem o psiquismo, que envolvem as relações com a Reitoria de Ensino para ter uma didática um pouco diferente ou ter instrutórias e tutorias de nivelamento para atender aqueles que precisavam até as questões de saúde mesmo, bucal e física, com o atendimento da Divisão de Saúde.

KJ: Como você se envolveu com a comunidade através desse cargo?

VL: Eu vivi isso de maneira muito enfática, sem me envolver com a questão de outras áreas da Reitoria; [esse envolvimento] só foi ocorrer em 2015. De janeiro de 2012 até 2015 eu fiquei só nessa parte. Eu tenho um defeito de fábrica: eu sou a pessoa mais otimista que você vai conhecer. Eu não costumo valorizar muito os problemas não. Eu tento lidar com as coisas de maneira muito pragmática. Não sou romântica de falar: “ah era assim e depois ficou assim”. Sendo objetiva, se formos dizer que melhorou ou piorou, se faz um juízo de valor que é complexo. Porque temos agora um perfil estudantil que antes não existia na UFV. A renda média entrante está mais baixa. E eu posso olhar e falar que é um problema, mas por outro lado é exatamente o que a gente queria. Essa parcela da população que não entrava na faculdade agora vem. Então é uma situação que tem um lado muito bacana e um desafio gigantesco. O desafio gigantesco é que a nossa instituição não estava preparada para o que iríamos enfrentar, porque você tinha um desafio de convivência. Isso não é um problema que diz respeito diretamente à Reitoria, mas aos problemas causados. Por isso nós temos que gerir até problemas muito pragmáticos como o número de refeições do RU [Restaurante Universitário]. No ano passado, aumentou o número de refeições em quase um milhão por conta dessa carência e do fato de ter as três refeições no final de semana.

KJ: E como foi alinhar tudo isso com os recursos disponíveis, já que o contexto orçamentário não é favorável?

VL: Foi uma longa luta para construir isso. Recurso não multiplica. O bolo de dinheiro não aumentou proporcionalmente. O que é o recurso nominal é o que está no dinheiro. Por exemplo, era de 100 e passou para 150 e você pensa que cresceu, mas muitas vezes esse recurso nominal não é verdadeiro, porque ele é comido pela inflação, pelos custos que sobem a uma taxa muito maior do que isso. O crescimento real mostra que o recurso per capita caiu e aumentou o número de pessoas que precisam. Então, gerenciamento de recursos virou um problema. Eu tinha um equipe que compreendia essa necessidade e os Pró-Reitores abriam mão de coisas para que viesse dinheiro para a assistência estudantil. Eu nunca usei só o ‘finais’. A equipe entendia que precisava de recursos, mas é sempre um risco. É um entendimento que eu imagino que essa equipe que está agora vai continuar tendo. O ideal é que a assistência conseguisse atender no básico o aluno preferencial, que é o que tem 1,5 salário per capita. E isso a gente não consegue. E aí eu vou falar dos desafios: eu já fui em casa de aluno buscar aluno que foi embora, já levei aluno para casa para morar comigo. São coisas que funcionam, mas não está certo.  E quando a gente não dá esse suporte, ele vai embora. E quando um aluno nosso vai embora, vai embora ele, o irmão dele que achou que poderia vir para cá também porque o mais velho veio, vai embora o vizinho… é uma rede. Não podemos perder alunos. E no primeiro ano e meio, temos um risco grande. E eu não acho que vai melhorar, porque a situação do país é caótica.  E nesse momento, eu não vejo disposição institucional governamental para portar mais recursos financeiros. E temos outro desafio, que faz parte da nossa Pró-Reitoria, que é o fato de termos moradias velhas. É um desafio que eu diria que é quase interminável.

KJ: O aumento do processo de terceirização dos servidores da UFV foi vantajosa?

VL: Acho que a maioria dos servidores públicos que conhecem a gestão universitária não gostam da terceirização. E não tem nada a ver com as pessoas, nem com o fornecimento, nem nada. O que força a terceirização é que as pessoas vão aposentando e você não pode repor cargos. E o servidor público tem atribuições específicas: não pode pegar um cara que é cozinheiro e mandar ele cortar carne. Isso vira um problema. E eles são fofos, mas a maioria é idosa. Então, os nossos salários não são pagos pela UFV, mas pela União. E temos que administrar. Cada funcionário terceirizado, entra num recurso que não é pago pela União. O salário dos terceirizados está sendo pago com um dinheiro que antes era usado para outras coisas. Então a terceirização é muito cruel também nesse sentido porque você come dinheiro que era para pesquisa e extensão para pagar salário de funcionário que está substituindo servidor que não vem mais. Uma outra questão é que há um desafio muito grande no caso do RU. Os produtos são obrigatoriamente licitados e eles vêm geralmente mais caros do que o preço de mercado.  Então, chegou ao ponto em que quase que o custo inviabiliza a manutenção do que não é custo-fim e praticamente força a terceirização. De qualquer modo, eu sou muito grata a muita gente que ajudou nesse processo. Mantemos um preço bastante acessível: pagamentos 6 ou 7 reais num prato, e o aluno paga 1,90. Tivemos muita sorte em conseguir pagar isso. Eu acho que é muito difícil voltar para o sistema de auto-gestão se as regras do jogo continuarem assim, sobretudo numa escala como a nossa.

KJ: Você conhece o novo reitor? Quais são suas expectativas?

VL: Conheço o professor Demetrius e conheço mais a professora Rejane. Ela era diretora do campus do Rio Paranaíba e particularmente, enquanto eu fui pró-reitora, ela era uma pessoa muito parceira. Mas eles estão muito empenhados, mesmo tendo um grande desafio de gestão. Não posso fazer juízo de valor e prever o que eles vão enfrentar, porque muita coisa pode acontecer na esfera nacional. Mas a Sylvia [atual Pró-Reitora de Assuntos Comunitários] adora a assistência estudantil. Posso dizer com certeza que ela veste a camisa da assistência estudantil. Eu estaria mais preocupada se estivesse uma pessoa que eu não faço ideia se gosta ou não da assistência e sei que ela gosta. Rejane, particularmente, sempre apoiou o que pedi. Mesmo com todas as dificuldades. O Demetrius é um cara mais sério, mas acho que ele é muito inteligente e vai estar aberto a muita coisa. Também acredito que ele e os outros devem perceber uma coisa: a assistência estudantil não é uma atividade-fim. Mas você não tem excelência de ensino, se você não tiver uma boa assistência estudantil. Não adianta falar de excelência de desempenho, se você não tiver o mínimo de assistência psicológica, ainda que na Rede. A excelência está amarrada a assistência estudantil e essa é a essência da permanência. Nós temos uma função muito pedagógica e para além da profissionalização: temos que fazer um acolhimento. Viçosa é uma cidade meio fora do eixo e vai ter aquele momento em que o aluno vai ter que ter para onde ir, para fazê-lo voltar ao equilíbrio. Tem que ter esse espaço para pessoa achar a sua vivência e seguir. Nossa massa estudantil é bacanérrima. Eles querem viver a vida deles, trabalhar, ser feliz, não dão trabalho. Raros os casos de exceção e conheço pelo nome. O nosso estudante não é um estudante médio das instituições publicas que eu já conheci. Como os nossos servidores também não são. Eles amam a UFV. Aqui eles gostam tanto da instituição que, quando eles acham que precisa melhorar alguma coisa, eles sentam e se reúnem para ver o que podem fazer, como cuidar. O relacionamento que eu tive com o DCE foi muito respeitoso. Houve momentos em que obviamente pensamos diferente, mas sempre foi um relacionamento pacífico que beirou a gentileza. Se a equipe que está aí for tão unida quanto a equipe que eu participei, está tudo resolvido. Isso faz muita diferença. É mais que a administração. As equipes são comprometidas. Porque troca reitor e pró reitor, todo mundo é transitório e é bom que seja assim. Mas se quem está naquele momento for um líder suficientemente acolhedor para fazer a equipe se sentir estimulada para fazer o que eles sabem fazer, dá tudo certo. É bom que surjam novas pessoas para dizer: vamos fazer diferente? Isso é um pensamento novo. Essas transformações são necessárias para revitalizar a instituição. Eu acho que vai dar tudo certo. O que não der, conserta!

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