CPPC: educação popular que abre portas

O Cursinho Popular Pré Coluni (CPPC) é um projeto de extensão, ligado ao Departamento de Educação da UFV, que tem como intuito democratizar o acesso ao CAP-Coluni, através de um maior índice de aprovação de estudantes das escolas da rede pública de Viçosa no processo seletivo anual. Levantando a bandeira de uma educação popular de qualidade, o cursinho busca levar perspectiva de futuro acadêmico para adolescentes que muitas vezes nunca nem estiveram dentro dos limites do campus.


Aluna do Colégio de Aplicação, Laura Martins, 18 anos, é professora voluntária do CPPC e uma dos quatro estudantes que junto com a professora Joana D’arc compõem a coordenação do projeto. Em entrevista ao Jornal de Viçosa, a jovem conta um pouco sobre o funcionamento, as mudanças, os desafios enfrentados pelo Cursinho, tais como a falta de recursos, as dificuldades dos alunos no geral além da sua experiência como educadora.

Laura Martins conta sobre a experiência de ser educadora voluntária. Créditos da imagem: Júlia Ennes

Noemi Silva – Como funciona o projeto?

Laura Martins – O Cursinho funciona diariamente em uma sala do prédio do CAP-Coluni e as aulas acontecem às segundas, terças e quintas. Quem leciona são alunos do Coluni ou ex- alunos que estão na UFV e não largaram o projeto. Cada matéria tem vários educadores justamente para ter uma dinâmica maior por causa das afinidades. Os alunos acham isso positivo.

O projeto surgiu quando alunos da época perceberam que o Coluni era um colégio dentro de Viçosa sem ninguém de Viçosa, que era um colégio público que não tinha aluno de escola pública. Esse realmente é o intuito: fazer a escola pública de Viçosa ser uma escola pública.

NS – Como é feita a seleção dos alunos para participarem do Cursinho?

LM – É por meio de sorteio. A gente vai às escolas públicas daqui e pedimos autorização na diretoria para poder passar nas salas de 9 ano conversando sobre o projeto. As escolas que permitem a nossa entrada, nós vamos, passamos nas salas e levamos uma fichinha de inscrição, que pede informações básicas – como nome completo, nome da mãe, do pai, telefone, escola e a série -, só para podermos fazer o sorteio e entrar em contato com os pais.

Até então não tínhamos o dia de matrícula, nós só telefonávamos. Esse ano nós instituímos o dia da matrícula e foi sensacional, porque passamos a ter mais contato com os pais dos alunos e percebemos uma diferença. Parece que criamos um vínculo muito maior.

NS- E em caso de desistências ao decorrer das aulas, outros alunos podem entrar na vaga remanescente?

LM- Pode. Fazemos uma lista de segunda chamada e vamos chamando, porque acontece de ter desistência ao longo do ano. Porque as vezes o estudante percebe que não dá conta de conciliar a escola com o cursinho ou que não quer, quer jogar bola… Então, com ele desistindo no início do ano, nós chamamos outros alunos. Já no segundo semestre, temos um problema maior, porque os meninos perdem muita matéria. O cursinho começa em abril e se eles entrarem só em agosto ou setembro já perderam, praticamente, o conteúdo todo. Mas se alguém demonstrar interesse nós chamamos.

NS – Como funciona a seleção dos professores? Todos são voluntários ou tem algum bolsista?

LM –  Esse é o grande problema do cursinho. Isso gera vários problemas na verdade, porque o estudante quando está fazendo um trabalho voluntário não entende que aquilo ali é responsabilidade dele de fato [risos]. Então temos alguns problemas que estamos tentando solucionar desde o ano passado, mas alguns persistem. A única estudante que é bolsista é da graduação e não é educadora [atua só na coordenação do projeto], os outros são todos voluntários. Nós recebemos certificados, mas é “apenas” um certificado. Mas esse na verdade também é o grande diferencial do projeto, pois tem muito aluno do ensino médio e tem um grande contato com a comunidade. Porque, além do estudante, temos com contato com a família.

NS – De onde são tirados os recursos para as aulas?

LM – São os recursos do Coluni. Nós não temos vínculo com o CAP-Coluni, sempre bom falar, o nosso vínculo é com o Departamento de Educação realmente. Mas nós usamos os data-shows, as salas e tudo mais do Coluni. Material impresso é pelo Departamento de Educação, inclusive de tempos em tempos temos problemas – agora, por exemplo, estamos sem folhas.

NS – Como são alunos de escolas públicas é natural que exista um certa dificuldade com o nível do conteúdo exigido pelo processo seletivo. Como é feita a quebra dessas barreiras?

LM – No início é um choque grande. E, como sabemos disso, fazemos um projeto de seleção com os educadores: eles aplicam para as áreas que acham que têm maior afinidade e vemos o que é mais vantajoso para o cursinho, uma vez que têm pessoas que gostariam não só de dar aula de história, como também de português e dependendo da demanda colocamos ela em português.

Nós da coordenação, assistimos a aula que eles preparam do tema que pedimos e vemos dicas e orientações que podemos dar. Nessa entrevista já explicamos que os alunos são de escola pública e que, na sua maioria, têm problema, principalmente com as matérias de exatas, então pedimos maior atenção, que ilustrem bem -se você pergunta se eles estão entendendo e eles estão calados, eles não estão entendendo. Explica de novo, não deem aula e saiam da sala.

Além disso nós temos um recurso muito bacana que são as terças-feiras no cursinho. Segunda, quarta e quinta as aulas são dadas normais, como um cursinho normal. Já nas terças, nós temos aulas mais interativas, momentos de tirar dúvidas com o educador, momentos interdisciplinares que criam um senso crítico nos meninos. E nós vemos a diferença neles ao longo do ano. Além disso, se o aluno tem certa dificuldade em alguma matéria, os pais podem entrar em contato perguntando se tem como sentar e tirar essa dúvida, se precisar nós damos uma aula extra só para esse aluno.   

NS – Qual é o índice de aprovação dos alunos do CPPC no processo seletivo do Coluni?

LM – Varia muito. Teve ano que a gente aprovou 4 alunos de uma turma que no final tinha 25. Ano passado a gente não aprovou ninguém. Então varia muito.

NS – Então ainda tem uma certa carência de aprovações dos alunos do CPPC em relação ao dos outros cursinhos privados?

LM – Tem…Com certeza.

NS – Você falou de uma turma que no final tinha 25 alunos. Com quantos alunos por turma começam as aulas?

LM – Entram 40 alunos. Existe uma evasão enorme.

NS – Você como educadora voluntária, o que tem a dizer sobre a experiência de dar aula e o que você espera do futuro do Cursinho Popular?

LM – Eu cheguei no CPPC no início do ano passado como membro real. Antes, eu tinha amigos que participavam. Era aquele negócio que eu achava muito legal e sempre prestava atenção mas que não podia participar porque eu tinha aula a tarde e esse é o horário que cursinho funciona. Quando eu entrei, não foi para a coordenação. Eu entrei para dar aula de História e, nossa, me apaixonei! É maravilhoso, os meninos são ótimos. Eu descobri que dar aula é uma coisa que eu amo. Foi muito positivo para mim, sabe? Essa troca, aprendi muito com eles. E tenho certeza que o que eu podia passar, eu passei- e isso é muito recompensador. Enfim, a professora Joana D’Arc convidou um amigo meu, Thalles, para poder fazer parte da coordenação e ele disse para mim e para a Giulia: “vem me ajudar, porque é muita coisa”. E aí, no ano passado mesmo eu conciliei tanto a sala de aula quanto a coordenação. É uma coisa que desgasta muito, porque a organização das coisas do cursinho de antes do ano passado não existe. Se você for na sala da Joana e pedir uma pasta de 2015 [por exemplo] não há. Não tem. Essa organização não era feita da forma como agora ela passou a ser. A lista de chamada não existia; os simulados, a gente não tem eles guardados; os resultados dos meninos nos simulados não tem; as redações xerocadas não tem. Então [hoje] a gente pega a evolução dos meninos do ano passado e vê claramente “olha, fulano não fazia as redações, então “tudo bem” não ter ido bem na Redação [do processo seletivo]” ou “essa, essa e essa pessoa estão com dificuldade em Matemática, precisamos dar um jeito que arrumar isso”. A gente consegue olhar “olha, os meninos estão fracos em Biologia, precisa de mais aulas, precisa de reforçar esse conceito” e antes isso não era feito. Não dava para fazer. Então o cursinho está num tempo de melhora, de evolução e a gente espera colher os frutos disso, não só em aprovações, porque a gente pensa muito menos em aprovação e muito mais em fazer eles interagirem. Muito mais em acrescentar para eles. A gente tem casos de estudantes que não tinha perspectivas de entrarem na universidade, que estudaram no CPPC e hoje estão na graduação da UFV, e que falam, claramente, “gente, olha, foi o CPPC. Sem ele, eu não estaria na graduação, eu não teria aprendido a estudar, eu não teria a força de vontade que eu tenho hoje, eu não acharia que isso é possível para mim”. Então, uma palavra que a gente sempre fala dentro do cursinho é perspectiva. É trazer para eles perspectiva. É trazer o conteúdo, as provas, que eles estão tendo contato só agora, para dentro do universo deles. Por exemplo, eu nunca tinha feito um exame de seleção antes do exame de seleção que eu fiz para o Coluni. É muito complicado, porque você nunca fez um prova que não tenha sido dado a matéria direitinho, e pela pessoa que formulou a prova. E como é diferente a linguagem, a forma como você estuda, o tamanho da prova. Eles têm 14 anos e vão sentar e ficar uma manhã inteira fazendo uma prova. É uma doidera, é uma coisa muito diferente para eles. Então isso precisa ser introduzido com carinho, com cuidado. Mostrar para eles que não é bicho de sete cabeças, porque na primeira vez que você olha, você acha que é.

NS – Como o projeto afeta na cidade de Viçosa? O que ele acrescenta?

LM – Eu acho muito bacana, porque o que a gente mais escuta dos pais é sobre a proximidade que eles ganham com a UFV depois. Os meninos passam a gostar de estar lá. A família passa a ir para o campus nos finais de semana, coisa que antes não acontecia. Quando ligamos para falar que o filho foi selecionado para participar do cursinho e apresentar o projeto para os pais, a gente já ouviu várias vezes “mas ele tem que pagar para entrar no campus?” – eu já escutei isso, porque sou eu quem liga. E aí eu falo “não, de forma nenhuma. O campus é um espaço público. Vá ao campus!” [risos]. São pessoas que nunca entraram no espaço da universidade. São de Viçosa, nasceram aqui mas nunca foram ali. Então, eu acho que o cursinho cria um elo maior da Universidade com as famílias dos educandos.

Júlia Ennes e Noemi Silva, estudantes de Comunicação Social – Jornalismo. Contato: julia.ennes@ufv.br e noemi.silva@ufv.br

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